Artigo: O cancelamento da civilização

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Por: Carlos Galuban Neto*

Na semana passada, o ator Kevin Spacey e o político Aécio Neves – o primeiro no Reino Unido e o segundo no Brasil – foram absolvidos pela justiça de acusações de assédio sexual e de corrupção, respectivamente.

As absolvições geraram enorme barulho, não apenas porque envolvem personagens célebres, mas especialmente porque, quando do surgimento das acusações, a condenação de ambos parecia somente questão de tempo, dada a quantidade de elementos apontando a balança da justiça em tal direção.

Como é comum em decisões judiciais envolvendo pessoas públicas, não demoraram a surgir os especialistas de rede social apontando que as absolvições nada mais são do que um símbolo da corrupção do Poder Judiciário, sempre pronto para livrar os poderosos das garras do sistema prisional.

A conclusão pode até ser verdadeira, – não conheço detalhes dos processos de Spacey e de Aécio – mas temo que o episódio seja mais complexo do que isso. Na verdade, é uma oportunidade de a sociedade como um todo refletir sobre condenações prévias e apressadas, baseadas não no cumprimento do devido processo legal, mas em notícias que, infelizmente, nem sempre são produzidas com a necessária e rigorosa apuração.

Historicamente, o papel da imprensa na apuração de malfeitos é notório, como não nos deixam mentir episódios como Watergate nos EUA e os escândalos de corrupção do governo Collor no Brasil, apenas para ficar nas derrubadas de presidentes moralmente ineptos, mas o mundo contemporâneo, aquele em que o sensacionalismo predomina sobre a verdade, exige imensa responsabilidade dos responsáveis na veiculação de notícias que apontem o possível envolvimento de figuras públicas em fatos criminosos. E por duas razões principais.

A primeira, mais óbvia, diz respeito à potencial destruição de reputações dos supostamente envolvidos em delitos. Aqui, os casos de Spacey e de Aécio são simbólicos: enquanto o americano foi de um dos mais requisitados atores de Hollywood para absolutamente excluído de todas as produções cinematográficas, o brasileiro migrou da posição de favorito à presidência em 2018 para a de deputado federal (re)eleito a muito custo.

A outra razão, contudo, ultrapassa indivíduos e atinge a coletividade: ao não se confirmarem as acusações fartamente noticiadas, a sociedade passa a encarar com enorme desconfiança a própria imprensa e o Poder Judiciário, instituições sem as quais, de acordo com a literatura econômica, país algum foi capaz de atingir níveis de desenvolvimento socioeconômico satisfatórios.

É hora de ter cuidado para que o cancelamento apressado de indivíduos não evolua para o cancelamento da própria civilização.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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